O Estatuto da Cidade nasceu da tentativa de criar uma espécie de roteiro para as cidades pensarem suas questões urbanas. Ficou determinado que municípios com mais de 20 mil habitantes deveriam desenvolver seu próprio instrumento de avaliação e diretrizes, conhecido como Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, para que se expandissem de forma ordenada. Em 2001 quando o Projeto Federal foi transformado em Lei, a população valenciana era de, mais ou menos, 70 mil habitantes.
A advogada Elida Seguín, explica em Estatuto da Cidade que “Ao longo do século xx, o Brasil passou por um acelerado processo de ocupação urbana, quase sempre desacompanhado de um procedimento de capacitação das populações rurais, de urbanização do local receptor e de instalação de equipamentos públicos que viabilizassem esse adensamento populacional”, o que cria diferentes estéticas que se referem à própria paisagem urbana, ou seja, a aparência que as cidades assumem através das construções, das suas edificações e vias de circulação. Sendo assim, as cidades deveriam apresentar espaços planejados direcionados ao trabalho, bem como, cultura, esporte e lazer, já que os elementos que compõem a estrutura urbana interferem na qualidade de vida dos moradores.
O modelo atual da cidade de Valença é marcado por uma crescente e desordenada ocupação urbana, caracterizada por muitas moradias, edificações comerciais e pouca acessibilidade. Caminhar pela cidade é enfrentar obstáculo e para quem tem mobilidade reduzida, o desafio é ainda maior. Nota-se também que a cidade perdeu muito do seu patrimônio histórico nas três últimas décadas, sendo substituídos por construções de menor importância arquitetônica para fins comerciais e lotes vagos utilizados como estacionamentos onde muitos não apresentam sequer alvará de funcionamento expedido pela prefeitura, criando uma composição desarmoniosa com os poucos prédios antigos que resistiram e são alvo de negociações como o Termo de Ajustamento de Conduta acordado em seis de janeiro de 2021 entre Conselho Municipal de Cultura e o empresário Hilton Couceiros de Matos que está reformando o prédio do Teatro Municipal (1910) em troca da não reconstrução da fachada original de um dos prédios da Praça da República, onde atualmente está a farmácia Drogasil. A demolição de mais um patrimônio é uma espécie de prenúncio, uma contagem regressiva do que está submetido os poucos prédios históricos que restam.
Propor uma discussão sobre o tema cidade significa primeiramente reconhecer que ela é um organismo dinâmico que produz alterações espaciais, para que possa atender às necessidades humanas e que seguem diretrizes apontadas em Leis como o Estatuto da Cidade, que completa 22 anos no dia 10 de julho, e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. O nosso PDDU está há 16 anos desatualizado, impedindo inclusive que o município capte recursos federais de manutenção da sua própria infraestrutura. Em outras palavras, o caos estético que conhecemos em Valença tem sobrenomes e faz parte de um projeto político antigo já que o PDDU é também um instrumento que fortalece a defesa do patrimônio histórico da cidade.
Jecevaldo Santos é representante da Secretaria de Desenvolvimento e Planejamento do município e diz que o Termo de Referência já está sendo preparado e dentro de dois meses a gestão deve apresentar novidades sobre a Contratação de Serviços de Pessoa Jurídica para executar a revisão do PDDU que vai ser custeado “com recursos do município”, no entanto, segundo fonte que preferiu não se identificar, o mesmo documento citado já foi elaborado e enviado à apreciação da gestão que não se posicionou. Essas falas divergentes apontam falhas na comunicação e na intenção do governo Jairo Baptista; opinião comum entre os cidadãos valencianos.
À medida que novas áreas foram se expandindo o Centro da cidade começou a sofrer muitas alterações e sua paisagem ficou comprometida. Hoje, Valença tem pouquíssimos traços de sua arquitetura original preservada, e muitos prédios centenários precisam de manutenção e intervenção em sua estrutura. A falta de utilidade e precarização dessas edificações comprometem também o fortalecimento da Identidade Cultural do munícipe, pois o cidadão, por não ter referências da história local, não se reconhece na cidade onde mora. Esse afastamento compromete processos cívicos e políticos do cotidiano. Outro problema é a desocupação de espaços públicos levando a deterioração e o esvaziamento de ambientes que poderiam servir a população como museu, escola de arte e memorial. O palacete que abrigou o imperador do Brasil, D. Pedro II, serviu como Câmara de Vereadores por muitos anos e é o nosso cartão postal mais conhecido. Há três anos está interditado e é um bom exemplo atual desse descaso.
Para que o município tenha conhecimento técnico dos bens móveis e imóveis, e produza um inventário com informações de seu estado de conservação, do proprietário, das dimensões do lote e medidas de preservação foi criado o cargo de Gerente Municipal de Controle do Patrimônio que deveria trabalhar também em concordância com a Secretaria de Cultura. Atualmente, Jairo Baptista nomeou para o cargo Stephanie Oliveira Leite por meio do Decreto nº 3.889/2021. A funcionária pública não aceitou dar explicações sobre o assunto que é de sua responsabilidade. Stephanie já ocupou o mesmo cargo na gestão passado e segundo a Secretária da Fazenda, Carla Vieira de Moraes Batista, o cargo de Gerente Municipal de Controle de Patrimônio está hierarquicamente alocado a Secretaria de Administração do município, o qual não foi reestruturado após a exoneração de Maria Zenaide Negrão Porto (Decreto nº 4.882/2023), e segue sem representante comprometendo o desenvolvimento da criação do inventário do patrimônio de relevância para Valença, que segundo o prefeito começou a ser feito, mas não conseguiu responder em qual setor tais documentos podem ser consultados. De acordo o Canal de Transparência do município, Stephanie Oliveira Leite recebe R$1.800,00 a qual, o prefeito Jairo Baptista disse, não está preparada como ele que “conhece o problema de Valença”. Em entrevista concedida na prefeitura, Jairo Baptista disse também que “ninguém dá muito prestígio a nossa memória” e que o município não investe em preservação porque “não tem recursos pra isso”.
Sobre o andamento da atualização do PDDU da cidade de Valença, em entrevista o vereador Clovis Júnior, disse que existe uma cobrança muito grande para que o Plano Diretor seja atualizado porque a desatualização deste “impede o município de receber alguns recursos destinados para a infraestrutura”. Opinião que denuncia a falta de planejamento do município, confirmada pela fala do vereador. Em contrapartida, Jairo Baptista informou que “Valença nunca recebeu dinheiro disso”, se referindo ao PDDU, e completou a resposta de forma desconexa citando a Secretaria de Turismo, o antigo Secretário da pasta, a Lei Paulo Gustavo e conclui fazendo uma relação com o prédio da antiga câmara e cadeia, o qual não foram encontrados documentos oficiais no cartório do município e na capital, apontando mais uma necessidade urgente do município em inventariar seu patrimônio, o qual, segundo Jairo Baptista, tem um “carinho muito grande”. Valença está dentro de território de interesse turístico, o que agrava o descumprimento da revisão do seu PDDU, e, de acordo com o Ministério Público pode levar o prefeito a responder por improbidade administrativa, pendendo sua função pública e direitos políticos.
Não precisa ser valenciano para perceber que as modificações do Centro da cidade não acompanham a singularidade das edificações antigas e, cada vez mais, novos lotes são transformados em estacionamentos ou estabelecimentos de iniciativa privada. A demolição dessas edificações não somente desestrutura o Centro, como também, lentamente, apaga a memória coletiva do valenciano promovendo um verdadeiro caos identitario e arquitetônico configurando em mais um crime cometido pelo prefeito Jairo Baptista contra o patrimônio da cidade.