Bastante sonolento, o paciente abre os olhos. Aos poucos, ele retoma a consciência e percebe que, dentro de sua boca, há um cano que desce até a entrada do pulmão. No susto, as reações variam: há quem queira se mexer e chamar o enfermeiro, enquanto outros tentam arrancar a mangueira da intubação, machucando toda a faringe.
Essa cena, ocorrida em alguns hospitais públicos distantes do centro de São Paulo, se mostra recorrente diante da falta de medicamentos para intubar um infectado com covid-19.
Enfermeiros têm de racionar os remédios entre os internados na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Com cada vez menos sedativos no corpo, alguns pacientes começam a despertar durante a intubação.
O UOL colheu relatos de profissionais de saúde que trabalham em hospitais públicos na zona norte de São Paulo e em Aparecida do Norte, no interior paulista, onde histórias assim aconteceram.
Outros empregados na capital paulista afirmam que isso não acontece em larga escala nas unidades privadas nem públicas, mas dizem que episódios parecidos estão no horizonte, caso não haja reabastecimento dos remédios.
Conforme um enfermeiro explicou à reportagem, a combinação de sedativos para uma intubação entra no corpo pela veia, por meio da bomba de infusão, aparelho responsável por programar a quantidade de remédio e o tempo em que ele será injetado.
Como os hospitais estão com estoques cada vez mais reduzidos de insumos, médicos e enfermeiros racionam o medicamento para que nenhum paciente fique desassistido. Assim, conforme contou um profissional da saúde, as pessoas recebem uma dosagem mínima, além de a bomba de infusão ser programada para gotejar mais lentamente e prolongar o efeito.
Dependendo da droga, a sedação em ritmo lento ou racionado não faz efeito no organismo, relatam os enfermeiros. Por isso, alguns pacientes despertam durante a intubação.
Os enfermos ainda chegam a sentir as dores que os equipamentos invasivos causam no corpo, além de prejudicar o desempenho da respiração por alguns minutos, enquanto a pessoa se mantém acordada.
A coordenadora da Comissão Nacional de Saúde Mental do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), Dorisdaia Humerez, confirma os relatos em hospitais públicos do país.
“Nós sabemos que é possível dividir. Numa situação de emergência tem de dividir [os medicamentos]. Se você diminuir a sedação, o paciente vai sentir dor, vai tentar reagir, tentar se mexer, tenta tirar”, disse ao UOL.
“Os enfermeiros estão, além de exaustos e cansados, ainda mais exaustos porque não tem o que fazer. Agora, está faltando tudo. Eles estão angustiados com essa falta de insumos. Não tem a medicação, não tem oxigênio, não dá tempo de esperar leito ficar pronto que já entra outro paciente. Tudo está gerando muito sofrimento emocional. Estar em contato direto com essa situação é desesperador.”
Fonte: UOL